Cadeia produtiva | O fim da isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre produtos da cesta básica de alimentos e remédios torna-se uma dor de cabeça para o setor produtivo regional. As medidas entram em vigor no RS a partir de 1º de abril. Foram instituídas por cinco decretos do governador Eduardo Leite no fim do ano passado. Apresentadas como um plano B frente ao projeto de aumento da base do imposto para 19,5%.
“Nossas empresas, produtores rurais e população não estão se dando conta do que acontece com essas mudanças”, observa o presidente da Câmara da Indústria e Comércio da região (CIC-VT), Ivandro Rosa.
“Como uma empresa, que finalizou o ano e tem um planejamento, com um orçamento previsto, vai prever o impacto das mudanças? Cada segmento econômico terá um efeito distinto e direto”, resume.
Associações industriais, câmaras lojistas e federações do RS unem esforços para alertar a sociedade e os deputados sobre os riscos à sociedade gaúcha. O entendimento dos líderes empresariais é que o fim dos benefícios fiscais interfere sobre todos os setores, da produção rural, industrial até no consumo das famílias.
Tanto que na quarta-feira, 7 de fevereiro, representantes de entidades de classe foram chamados para uma assembleia na Federasul. O encontro começa às 10h, no 4º andar do Prédio do Comércio, em Porto Alegre.
Aumentos impactam 64 setores
“Os decretos são arrecadatórios. O governo pensa apenas em resolver um problema imediato. Esses decretos são um grande equívoco do governador. É uma das questões mais preocupantes dos últimos anos e, se não forem revogados, vão inviabilizar o Rio Grande do Sul e a nossa região em médio prazo”, critica o consultor empresarial e economista, Ardêmio Heineck.
Conforme o Estado, os decretos trazem mudanças para 64 setores produtivos, pois revisam benefícios, tanto para compra de insumos quanto para indústria vindos de outros espaços, previstos nos créditos presumidos.
“Estamos no extremo sul do país e pagamos mais pelos deslocamentos. Temos indústrias alimentícias e o insumo para alimentação animal vem do Centro-Oeste”, destaca Heineck.
Depois do beneficiamento das carnes e do leite, o principal mercado está no centro do país. “Se formos calcular esse custo logístico, mais a elevação do ICMS, o produto gaúcho no centro do país chegará com preço mais alto e ficará nas prateleiras”, alerta o economista.
Conforme a presidente da Associação Comercial e Industrial de Lajeado (Acil) e também contadora, Graciela Black, o Estado e a região por consequência terão perda de competitividade, o que pode representar a saída de empresas. “Nestas condições, os empresários vão se perguntar: até que ponto vale continuar no Rio Grande do Sul? Se paga mais na logística, mais nos impostos. Daqui a pouco é mais vantajoso levar as fábricas para o Paraná ou para Santa Catarina. Os decretos são muito negativos para toda a economia.”
Na Assembleia Legislativa, há uma corrente entre deputados, inclusive da base aliada, que tentam dialogar com o Piratini para que os decretos sobre os itens da cesta básica fiquem de fora do aumento de ICMS.
“Vamos ter a comida mais cara do país”
O consultor empresarial e contador, Valmor Kapler, realça as avaliações negativas frente à decisão do governo. “Frutas, ovos, legumes, verduras, carnes, leite, pão e outros ficarão mais caros. Tudo o que está na cesta básica, em resumo”, argumenta.
Com mais custos nos alimentos, a repercussão é de menos circulação econômica. De acordo com Kapler, toda a cadeia produtiva do Vale do Taquari será prejudicada. “Temos itens que eram isentos. É o caso das hortaliças, das frutas e dos ovos. A cesta básica era isenta. De uma hora para outra, passam a pagar 12%. Em outros, que era a tarifa reduzida de 5% , também vai para 12%. É o caso das carnes de suíno e de frango em cortes temperados”, diz o consultor.
“É desestimulador. O que isso representa na arrecadação não temos como saber. Mas vale a pena penalizar tanto um produto, ou um segmento como o dos alimentos? Vamos ter a comida mais cara do país, porque o Estado repassa todos os impostos para o prato da população.”
“Quem mais vai sofrer são os assalariados”
Economista, doutora em Desenvolvimento Regional, Cintia Agostini, acredita que seja necessário debater as questões sobre tributação por setor.
“É uma questão de Justiça Fiscal. Por que alguns segmentos pagam mais e outros não? Em algum momento isso vai precisar acontecer”, diz.
No entanto, frisa que o modelo dos decretos estabelece uma generalização que desconsidera peculiaridades. Quando se tem mais tributo sobre o consumo, aumenta-se o risco de reduzir o poder de compra das famílias.
Como consequência, há menor circulação de riquezas. “Esse é o problema de pagar imposto no consumo e não pela renda. O que a classe baixa compra de arroz é o mesmo do que quem ganha mais.
A diferença está no impacto para o orçamento familiar. Quem mais vai sofrer são os assalariados. A cesta básica mais cara faz com que ele tenha menos condições de comprar uma roupa, um calçado, ou de assumir uma prestação para trocar de celular, por exemplo.”
Implicações para o Vale
Dos cinco textos, dois atingem a cadeia produtiva regional de forma direta. Confira:
Decreto nº 57.366
- Corte da isenção de ovos, mantendo só saídas interestaduais, ovos férteis e de venda direta do produtor rural para o consumidor final.
- Flores de zero para 17%.
- Frutas secas para o mercado interno de zero para 12% de ICMS (isenção para venda interestadual continua).
- Fim da isenção do leite pasteurizado tipos A, B e C, do varejista para o consumidor final;
- Aumenta o ICMS da cesta básica de 7% para 12%;
- Eleva o imposto da carne e demais produtos resultantes de aves e suínos de 7% para 12%;
- Corta a base de cálculo reduzida da erva mate e do pão francês;
- Aumenta o ICMS do óleo bruto e vegetal, exceto de oliva, e margarina, de 7% para 12%;
- Corta a base reduzida (de 7%) das embalagens para mercadorias com redução de base de cálculo e da erva-mate;
- Fim dos créditos de produtos como ferro e aços, produtos farmacêuticos e de higiene pessoal, veículos e máquinas, mármores e granitos, caminhões e máquinas, veículos para transporte de passageiros e carrocerias para automóveis e semirreboques e outros;
- Retira o benefício do “não pagamento” do diferimento nos produtos recebidos, tais como leite, arroz, aves e gado (a vácuo), suíno, ovino e bufalino e trigo em grão;
Decreto nº 57.367
- Condiciona a isenção para compra de rações para animais (suínos, gado e frango), sementes, farelo de soja e milho, ao depósito em fundo para reforma do Estado.
- Os valores começam em 10% do benefício e vão até 40% a partir de outubro de 2025.