Ainda hoje, no século 21, há uma tradição folclórica que resiste em algumas localidades do Brasil praticamente da mesma forma com que começou a ser encenada, por volta de 1700, segundo registros históricos.
Um dos locais de resistência, onde a Cavalhada ainda vive e toda a comunidade se envolve nos preparativos da festa é Catuçaba, distrito do município paulista de São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba.
Mas há cerca de 50 anos, quando ensaiavam para a apresentação anual dessa manifestação que une religiosidade, fé e cultura, algo inesperado aconteceu: o cavaleiro que interpretava o rei dos mouros passou mal e não resistiu, morreu, desfalcando o elenco da encenação que recria os torneios medievais e as batalhas travadas pelos cristãos para reconquistar a Península Ibérica.
Seu Amaro era uma figura importante na cidade e sua participação na festa, uma tradição. Como forma de homenageá-lo, decidiram manter o evento e convidaram outro morador para assumir o papel. O escolhido, porém, recusou, alegando não saber atuar e ponderando que não havia tempo hábil para aprender.
Mas no dia marcado, contrariado e inseguro, vestiu a indumentária do companheiro morto, subiu no cavalo, e se dirigiu ao local da encenação. Testemunhas contam que um vulto vermelho, a mesma cor do uniforme do exército mouro, apareceu no centro da praça, se misturou entre os participantes e sumiu, e que o novo mestre, que não sabia nada, de repente, interpretou sabendo tudo.
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Meio século depois desse ocorrido, seu Amaro volta a ser assunto e recebe outra homenagem: o queijo árabe que acaba de ser incluído no portfólio da marca Lano-Alto ganhou o nome do cavaleiro mouro. “Por razões legais, nosso shanklish não pode ser comercializado com essa designação”, explica Paulo Lemos, publicitário que virou queijeiro premiado. “Estamos em um território rural profundo, no topo da Serra do Mar, em uma vila com 800 habitantes e mais de 300 anos de história. É impressionante como eles mantêm viva a sabedoria da cultura caipira tradicional.”
A fazenda Lano-Alto, que fica em Catuçaba, foi criada em 2018 por Paulo, nascido no interior de São Paulo, e sua mulher, Yentl, que descende de uma família sírio-libanesa. “Nossa linha é pautada em produtos de verdade, que contam histórias, e por isso fez muito sentido chamar nosso lançamento de Amaro, pois as coisas se conectam”, acredita Paulo. O slogan da marca traduz esse conceito: “produtos feitos para não durar”.
O casal se conheceu e se apaixonou quando trabalhava com publicidade, em São Paulo, há mais de 20 anos. Juntos, passaram uma temporada em Los Angeles, nos Estados Unidos, onde começaram a pesquisar e a ter mais preocupações com a origem dos alimentos e, iniciados por amigos, aprenderam a fazer queijos.
Da comunicação ao cotidiano rural
Voltaram ao Brasil em 2014 para desenvolver um trabalho em Inhotim, o museu a céu aberto que fica em Brumadinho, no estado de Minas Gerais, e ao fim do contrato decidiram ficar e morar na fazenda que haviam comprado quatro anos antes, tocando um escritório de comunicação.
Mas a vida rural falou mais alto e os artigos que produziam para consumo próprio viraram itens que as pessoas queriam provar. “A gente não imaginava que as coisas ao redor começassem a chamar mais a nossa atenção do que o nosso trabalho. Então, percebemos que criar e vender produtos era também uma forma de contar histórias”, resume.
Em 2021 a empresa foi interditada e a produção feita a partir de leite cru acabou arrasada pela fiscalização, tudo por causa de um registro que não existia no município. “A destruição aconteceu sob o pretexto de que os queijos seriam impróprios para o consumo humano, e o que aconteceu com a gente, acontecia todo dia com outros produtores.
Fizemos um trabalho político muito forte, para mostrar o quanto a legislação para o produto artesanal, de pequena escala, era ridícula, principalmente para o estado de São Paulo”, explica.
Ele acredita que a forma como comunicaram o episódio ajudou a mobilizar público e a criar um movimento. “E esse movimento nos ajudou a mudar as leis, tanto no município, quanto no estado. Hoje, podemos dizer que a legislação de São Paulo é a mais desenvolvida e conectada com o pequeno produtor do País inteiro. Mas há três anos isso era impensável.”
Queijo premiado
O resultado desse caminho “feito de pedras nos rins, suor e lágrimas”, como define Paulo, chegou rápido. Em 2022, no Mundial do Queijo, as duas receitas autorais destruídas um ano antes foram premiadas com as medalhas Super Ouro e Ouro.
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Entre produzir e comercializar iogurtes, queijos e doce de leite com a ajuda de apenas cinco funcionários, zelar pelos bichos que vivem livres na fazenda, cuidar das redes sociais da marca, pensar em nomes divertidos para batizar suas criações – como “mofofinho”, nome do queijo em que mofos espontâneos e naturais se manifestam -, e elaborar embalagens, o casal também cria dois filhos, Lauro, de três anos, e Pilar, de sete.