O leite de jumenta começa a ganhar protagonismo como uma alternativa inusitada — e estratégica — para diversificar e agregar valor à pecuária brasileira. Vendido por preços que variam entre 30 e 50 euros por litro nos mercados europeu e asiático, o produto se posiciona como um alimento funcional de alto valor agregado, com potencial para atender nichos específicos e impulsionar economias rurais.
O interesse crescente não é casual. O leite de jumenta apresenta uma composição nutricional muito semelhante à do leite humano, especialmente no perfil de proteínas e no teor de lactose. Essa característica o torna uma opção promissora para crianças com intolerância às proteínas do leite de vaca, além de consumidores que buscam alimentos hipoalergênicos e naturais.
Segundo o professor Gustavo Carneiro, do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), trata-se de um produto com atributos raros no mercado. Para ele, o leite de jumenta reúne qualidades nutricionais e imunológicas únicas, capazes de atender tanto o mercado interno quanto o externo. Carneiro destaca que o avanço desse segmento pode fortalecer cadeias produtivas locais, gerar renda complementar e estimular a criação de asininos em regiões rurais.
O pesquisador ressalta que o valor não está apenas no alimento em si, mas no posicionamento premium. “Há uma demanda clara por produtos funcionais e especializados, especialmente na alimentação infantil. Isso abre espaço para um modelo produtivo focado em qualidade, rastreabilidade e boas práticas”, observa.
Além da nutrição, o leite de jumenta também chama a atenção da indústria cosmética, sobretudo na Europa e na Ásia. Rico em vitaminas A, B1, B2, C e E, além de minerais e compostos bioativos, o produto é associado à hidratação, elasticidade e regeneração da pele. Cremes, loções, sabonetes e máscaras faciais à base desse leite já circulam em mercados que valorizam cosméticos naturais e de origem controlada.
Carneiro acrescenta que a asininocultura oferece ainda outras possibilidades industriais. A pele do animal é utilizada na produção de biofármacos, colágeno e gelatina, insumos com alta demanda nas indústrias farmacêutica e alimentícia. Esse aproveitamento integral reforça a lógica da economia circular, reduz desperdícios e amplia as fontes de receita no campo.
Pesquisa mira UTIs pediátricas
No Brasil, o avanço científico acompanha o interesse comercial. Na Universidade do Agreste de Pernambuco (Ufape), em Garanhuns, pesquisadores desenvolvem estudos com foco no uso do leite de jumenta em UTIs pediátricas e neonatais. A expectativa é que, até 2026, o produto possa ser ofertado de forma segura em ambientes hospitalares.
O professor Jorge Lucena, coordenador do grupo de pesquisa, explica que o processo segue protocolos rigorosos. O rebanho é controlado, vacinado contra as principais enfermidades e submetido a boas práticas de ordenha e pasteurização. Segundo ele, os testes finais para uso em humanos devem ocorrer em breve, com previsão de disponibilização do alimento para UTIs neonatais dos hospitais de Pernambuco no primeiro semestre de 2026.
Lucena observa que o modelo brasileiro se inspira em experiências consolidadas de países como a Itália, referência mundial no uso terapêutico e alimentar do leite de jumenta. A adaptação desse conhecimento à realidade local pode abrir um novo capítulo para a inovação no agro nacional.
Nova cadeia produtiva no horizonte
Com pesquisas avançando, demanda internacional aquecida e múltiplas aplicações, a asininocultura passa a ser vista como uma atividade capaz de gerar impacto econômico, social e ambiental. Resíduos e subprodutos podem ser transformados em biogás, adubo ou farinha de carne e ossos, ampliando a eficiência do sistema produtivo.
Se os resultados esperados se confirmarem, o Brasil poderá consolidar uma nova cadeia produtiva baseada em inovação, sustentabilidade e alto valor agregado. Um caminho que une ciência, mercado e tradição rural — e que transforma o leite de jumenta de curiosidade em oportunidade concreta.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Portal de Notícias






