Os alimentos “fakes” ou “similares” – produtos que passam por mudanças na composição em relação aos originais – ganham espaço nas prateleiras e na cesta de compras dos consumidores.
Muitos buscam driblar os preços altos, mas o alívio no bolso pode ter um impacto significativo na saúde, como alertam especialistas ouvidas pelo Diário do Nordeste.
Para torná-los mais próximos aos “originais”, esses artigos recebem aditivos como amido, soro de leite e gordura vegetal. O objetivo é conferir ou modificar aroma, sabor e textura, em que, muitas vezes, simulam o próprio design das embalagens de referência. São os casos da bebida láctea fermentada e da mistura láctea condensada, similares ao iogurte e ao leite condensado, respectivamente.
Pesquisadora do assunto, a nutricionista e docente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), cedida para atuar no Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Caroline Moreira, complementa que, usualmente, esses produtos possuem uma grande lista de ingredientes. A relação inclui componentes de uso exclusivo da indústria alimentícia, como corante, acidulante, estabilizante e aromatizante.
“Utilizam parte de alimentos in natura ou minimamente processados e acrescentam uma boa quantidade de açúcar, gorduras e sal para dar alta palatabilidade. E acaba que a indústria coloca ‘aditivos cosméticos’, como a gente fala, no intuito de simular uma característica sensorial que seria desejada ou esperada para aquele produto alimentício”, frisa a especialista, que também integra a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.
Em geral, a produção de itens alternativos busca reduzir custos e, desse modo, são utilizados materiais de qualidade inferior, processos de fabricação mais simples e, por vezes, menos rigorosos, além de cópias de design e tecnologia. É o que informa Marcella Garcez, médica nutróloga, professora e diretora do Departamento de Fitoterápicos e Nutracêuticos da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN).
Mesmo assim, vale destacar que essas mercadorias similares são regulamentadas pelos órgãos competentes, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), antes de chegarem aos compradores. A regulamentação, porém, não impede os efeitos do consumo, principalmente a longo prazo.
IMPACTOS NA ALIMENTAÇÃO
Um dos fatores de risco na ingestão de artigos similares está na baixa qualidade nutricional. Como orienta a professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlene Monteiro, matérias-primas com valores nutricionais menores estão sendo utilizadas pelas indústrias como argumento para a produção de novos alimentos com similaridade aos tradicionais.
O modo de produção pode, inclusive, aumentar a Insegurança Alimentar e Nutricional (IAN) no país. “Os perigos para a saúde da população estão relacionados à não promoção de uma alimentação saudável para os seus consumidores, pois os mesmos possuem uma baixa qualidade nutricional. Vale ressaltar que o consumo de alimentos com baixa qualidade nutricional pode comprometer o desenvolvimento humano em todas as suas fases”, sublinha Monteiro.
Ainda conforme a especialista da UFMG, isso é reforçado com o grau de similaridade entre as embalagens de produtos tradicionais e os considerados ‘fakes’. “Muitos consumidores têm se confundido na hora da compra de produtos tradicionais, levando para casa produtos similares”, afirma.
A reportagem do Diário do Nordeste comparou a tabela nutricional de um leite em pó com um composto lácteo e um iogurte com uma bebida láctea fermentada, ambos das mesmas marcas. A principal diferença é encontrada na quantidade de proteínas e gorduras, na qual os itens alternativos concentram menor volume.
Itens | Leite em pó | Composto lácteo |
---|---|---|
Proteínas | 3,1g | 2,5g |
Gorduras totais | 3,4g | 1,9g |
*Valores relativos a um copo de 100 ml |
Itens | Iogurte | Bebida láctea fermentada |
---|---|---|
Proteínas | 3g | 1,8g |
Gorduras totais | 2,6g | 1,3g |
*Valores relativos a uma porção de 100 g |
Marcella Garcez relata que o consumo de alimentos de qualidade inferior pode ter um impacto significativo na saúde e na nutrição dos consumidores. A prática tende a motivar deficiências nutricionais e outros problemas de saúde.
“Alimentos e bebidas podem conter aditivos não seguros, corantes tóxicos e substitutos de baixo custo que são prejudiciais à saúde, que incluem leite adulterado com melamina e azeite de oliva diluído com óleos de qualidade inferior”, exemplifica a médica nutróloga.
PERIGOS PARA A SAÚDE
Por envolver diversas etapas de processamento industrial e muitos ingredientes, os produtos similares entram na categoria dos ultraprocessados, apontados como “vilões” da alimentação humana.
A composição nutricional desbalanceada desses alimentos favorece doenças do coração, diabetes e vários tipos de câncer, além de aumentar o risco de deficiências nutricionais
O documento também alerta sobre a deficiência de outras substâncias importantes para a atividade biológica e a prevenção de doenças. Itens ultraprocessados costumam ter composição limitada de fibras, vitaminas e minerais.
Outro fator de cuidado está na publicidade desses produtos. Como realça o guia do Ministério da Saúde, os ultraprocessados costumam explorar vantagens ao utilizarem “menos gorduras”, “adicionado de vitaminas e minerais” nas embalagens, aumentando as chances de que sejam vistos como saudáveis.
É o que Caroline Moreira define como ‘marketing nutricional’. “As pessoas acabam acreditando nessas informações, que muitas vezes não são verdadeiras, levam um produto considerando que é a melhor escolha ou a mais saudável que eles poderiam ter, quando na verdade não é”, esclarece.
RECOMENDAÇÕES
A embalagem e a disposição dos itens alternativos nos supermercados podem representar um desafio a mais para os compradores. Embora uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determine a proibição da circulação de rótulos que possam gerar confusão ao consumidor, na prática, os artigos ‘fakes’ ficam nas mesmas gôndolas e são semelhantes aos de referência, o que pode motivar enganos.
“É necessário conscientizar os consumidores da importância da leitura dos rótulos dos produtos. Uma vez que pode haver confusão ou engano pelo consumidor no momento da escolha do produto em virtude dos produtos similares possuírem rótulos parecidos e estarem localizados no supermercado próximo aos produtos tradicionais”
Marcella Garcez indica que o consumidor pode adotar dicas práticas para não cair em ‘ciladas’ na hora das compras, incluindo comprar de fontes confiáveis. “Inspecionar a embalagem quanto à qualidade da impressão, selos de segurança e lacres, conferir os rótulos e informações nutricionais, desconfiar preços muito inferiores ao de mercado”, complementa.
Outra medida importante passa pela leitura da lista de ingredientes das mercadorias, que é obrigatória nos rótulos. “É uma ferramenta que é aliada do consumidor. Você vira a embalagem e vê a lista de ingredientes. Se bater o olho e tiver muitos ingredientes, você já desconfia”, aponta Caroline Moreira. A especialista indica outras ações importantes, de modo geral:
- Evitar produtos que contenham grande quantidade de aditivos químicos, como corantes, aromatizantes e conservantes;
- Prestar atenção aos alertas frontais das embalagens, que indicam se o alimento tem alto teor de açúcar, gordura ou sódio;
- Planejar as refeições e levar uma lista de compras ao supermercado;
- Dar preferência aos alimentos in natura ou minimamente processados.