Na estrada de terra que leva até a Fazenda Alegre, localizada no Seridó Potiguar, a paisagem semiárida vai dando às boas-vindas para quem deseja conhecer a produção da Quejeira JC Caicó.
Próximo a ela, uma casa centenária conta a história familiar de José Lopes de Medeiros, especialista quando o assunto é queijo artesanal. Neste ano, o protagonismo do local entrou no radar da Rota do Queijo Potiguar, promovida pelo Sebrae/RN, com o objetivo de valorizar a produção local e incentivar o turismo rural na região.
Na trajetória de José Lopes de Medeiros, a produção de queijo artesanal ultrapassa gerações. Assim como ele, o avô e o pai foram mestres na arte de transformar o leite no alimento sempre presente na mesa do seridoense. O aprendizado, não nega, partiu da curiosidade inerente a sua personalidade. “Curioso toda vida fui. Fui pegando [a técnica] com a curiosidade”, compartilha sorrindo.
Hoje, aos 45 anos, ele enxerga o sentimento concretizado ao olhar para a Queijeira JC Caicó e poder permitir aos filhos tanto a oportunidade de suceder o negócio quanto de projetar novos sonhos. “A gente ensina a trabalhar e obriga a estudar”, afirma José Lopes de Medeiros em referência aos filhos, dos quais três já atuam na Fazenda Alegre.
Para ele, que não teve as mesmas oportunidades na infância e cursou até a 5º série, a visão do futuro está em ver as próximas gerações cada vez mais qualificadas. Por hora, se permite celebrar cada passo alcançado, como ver o queijo produzido pela família nas prateleiras do supermercado.
Embora a JC Caicó tenha dez anos no mercado, somente em 2021 recebeu a autorização para vender seus produtos para quaisquer estabelecimentos. A conquista foi fruto do certificado de funcionamento recebido pelo Idiarn, por meio do projeto Governo Cidadão, que contou com financiamento do Banco Mundial para construção e equipagem de 39 queijeiras na região do Seridó.
Atualmente, a produção diária da queijeira é de cerca de 150 kg, com faturamento mensal de R$ 85.000. Toda a mão de obra é mantida pela família, com exceção de uma pessoa que foi contratada para cuidar do gado. Com a Rota do Queijo, a ideia é que o espaço possa expandir a popularização de seus produtos para visitantes locais e turistas.
O panorama de expansão é uma realidade já observada na Fazenda Caju, localizada em Ceará-Mirim. O potencial da propriedade, conforme aponta a professora de turismo Marília Medeiros, esposa do produtor Marinho de Souza, já vinha sendo explorado a partir de um projeto de extensão com foco em escolas e universidades que atraiu 800 visitantes desde seu lançamento. A partir da iniciativa do Sebrae/RN, no entanto, o trabalho vem se profissionalizando. Entre as atividades oferecidas estão oficinas de queijos e exposições voltados à química e matemática envolvidas na produção.
Os resultados são motivo de orgulho para Marinho de Souza, que começou a investir no local apenas por hobby, a fim de suprir parte da saudade de uma infância rural em Currais Novos. Inicialmente, em 2007, o foco estava na criação de gado. Sempre que o leite era suficiente, alguns queijos eram produzidos, mas sem a finalidade de alcançar metas específicas.
A história mudou de rumo em 2018, quando o produtor já não conseguia mais conciliar os negócios da Fazenda com uma Marmoraria que administrava em Parnamirim. A decisão não poderia ter sido mais assertiva: decidiu dedicar-se à sua paixão e passou a encarar o trabalho na Fazenda com seriedade.
No ano seguinte, em 2019, a Queijeira local se tornou a primeira artesanal legalizada no Rio Grande do Norte. Segundo Marinho Souza, que hoje trabalha prestando consultorias sobre produção de queijo, o faturamento mensal da Fazenda Caju é de R$ 30 mil com venda de queijos e animais. A produção diária chega a aproximadamente 12 kg de queijo.
Formalização de negócios fortalece atividade
O potencial dos derivados do leite no Rio Grande do Norte vem sendo alvo de iniciativas do Sebrae/RN há mais de 20 anos, a fim de incentivar a formalização e regularização dos empreendimentos do segmento. As visitações à fazendas e estudos para implantação da Rota do Queijo, por sua vez, tiveram início em 2023 e o projeto foi lançado no início deste ano.
A analista técnica da instituição e coordenadora da iniciativa, Kessianny Souza, esclarece que o objetivo é tanto permitir aos consumidores conhecer a fabricação das queijeiras quanto fortalecer a tradição do queijo de coalho e de manteiga do Estado.Este último, adverte, encontra-se em processo para obter a Indicação Geográfica (IG).
“Nosso trabalho é identificar quais são esses produtores e desenvolver nas suas propriedades as experiências que os consumidores podem vivenciar ali e apresentar para todo mundo”, afirma. A partir disso, as informações são divulgados ao público e às agências de viagem que atuam na região do Seridó, permitindo a inserção da Rota em outras presentes no roteiro dos turistas.
Embora queijeiras artesanais e industriais possam ser igualmente inseridas no projeto, explica Kessianny Souza, a decisão depende do desejo dos proprietários em receber visitantes e das condições sanitárias avaliadas durante as visitas às propriedades.
No momento, o Sebrae/RN estuda a inserção de cinco novas fazendas na Rota, mas as localizações ainda não podem ser divulgadas. Os resultados alcançados com o projeto neste ano também estão sendo levantados e devem ser finalizados até o início de 2025.
Os desdobramentos do Governo Cidadão, por sua vez, já podem ser observados. O projeto foi coordenado sob a gestão de Fernando Mineiro, em 2019, quando o deputado era titular da Secretaria de Gestão de Projetos do Estado. As 39 queijeiras contempladas estavam ligadas à Capesa e à Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares do Seridó (Coafs), além de uma em Assu. Após serem equipadas, deixaram a informalidade e passaram a contar com registro e selo para ampliarem seus mercados.
“Hoje você tem boa parte dessas queijeiras já com registro, com selo que é fundamental. Até então, tirando as industriais e a queijeira da Fazenda Caju, que é um exemplo fora da questão de financiamento do Estado e foi a primeira com queijo artesanal registrado, o queijo era feito em forma muito clandestina e muito informal”, complementa.
Na avaliação do titular da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Pesca do Estado (Sape/RN), Guilherme Saldanha, a tradição do queijo no Seridó atrai pessoas em busca da gastronomia da região e perpassa uma cadeia produtiva que deve ser cada dia mais fortalecida. Desde 2017, afirma, o maior foco da Seap está em ampliar e formalizar as queijeiras. Disso parte, também, a importância de parcerias como a do Sebrae/RN, a fim de dar visibilidade aos produtores rurais e incentivar a geração de emprego e renda.
Kessianny Souza repercute uma visão semelhante e argumenta que, na medida em que as queijeiras ganham o interesse do turista, as propriedades passam a ter seu produto reconhecido e podem ampliar a mão de obra local. “O consumidor do Rio Grande do Norte precisa saber que aqui a gente produz de forma plena e de qualidade. Então a gente quer que todas as pessoas tenham esse conhecimento e que elas consigam levá-lo para outros estados do Brasil, porque a melhor propaganda é essa boca a boca, né?”, enfatiza a analista técnica.
Tradições pioneiras sobrevivem a gerações
Levar o queijo produzido no Seridó para o Brasil está entre as metas da queijaria Dona Gertrudes que, desde 1975, constrói uma história repleta de tradição. Quem hoje visita as lojas da marca em Natal e Caicó não imagina que a atual produção industrial passou pelas mãos fortes e delicadas de Gertrudes. Aos 78 anos, continua mantendo a liderança no lugar e evoca sem dificuldades as memórias do trabalho artesanal.
Se hoje a queijeira agrega 30 trabalhadores, dos quais cinco são da família, antes tudo era feito por ela e seu esposo. Em 1975, logo após se casarem, Gertrudes passou a produzir uma pequena quantidade de queijos para pessoas mais próximas, enquanto seu esposo cuidava do gado.
O combustível para ampliar o negócio, nas palavras da produtora, não poderia ser outro: “quando comecei a trabalhar com queijo, em uma produção pequena, e não atendia os clientes, sempre queria um pouco mais de leite”, compartilha sorrindo.
A essência do trabalho manual de Gertrudes resiste ao tempo e segue como um dos pilares de sua marca, assim como suas receitas. A filha da produtora, Alane Araújo, trabalha na administração da queijeira e enxerga na Rota um caminho para manter a tradição. “A Rota do Queijo é sobre valorizar o que vem da Terra e das famílias. Para nossa família, só temos a agradecer porque somos agraciados pelo exemplo dela [Gertrudes]”, conclui.
Enquanto Alane escreve os próximos capítulos da história da mãe, o caicoense Ildefonso Pereira de Araújo resolveu ser o pioneiro na produção de queijos de sua família. Após trabalhar em uma das maiores fazendas produtoras de mussarela de búfala em São Paulo, resolveu iniciar as tentativas de produzir sua própria mussarela em 2002. O processo foi cheio de percalços, envolvendo ganho e perda de rebanhos, erros e acertos na produção. Apesar disso, algo se manteve de pé: a persistência.
Foi a partir desse traço em seu perfil que a queijeira Maanaim, localizada na zona rural de Caicó e contemplada pela Rota do Queijo, começou a tomar forma e hoje atrai os consumidores que buscam burratas e queijos maturados artesanais. Atualmente, cerca de 10 a 15kg de queijo são feitos diariamente no local, quantidade que o produtor espera dobrar nos próximos meses.
“Eu sou muito grato a Deus por ter me abençoado e colocado pessoas em meu caminho que somaram comigo” , afirma Ildefonso, que hoje se orgulha da queijeira artesanal, a qual mantém de pé com sua esposa e um funcionário que fornece suporte no rebanho.