É uma questão de tempo para que o consumidor brasileiro encontre nos supermercados marcas de leite com selo carbono neutro.
Os processos para produzir o alimento no campo têm passado por adaptações que visam maior produtividade e sustentabilidade.
A mudança é reflexo do anseio da sociedade e, sobretudo da indústria, que vê na produção com baixos índices de carbono uma forma de agregar valor e acessar mercados internacionais. Entidades projetam que a descarbonização do segmento leiteiro é uma tendência.
“O leite com carbono neutro é um nicho de mercado, mas com o passar dos anos ele vai ser um indicador fundamental para as empresas se manterem, até porque o mercado europeu irá exigir isso para as exportações”, avalia Alexandre Guerra, vice-presidente do Sindilat-RS (Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul).
Apesar de não haver ações coordenadas, Guerra acredita que a concorrência pautará as transformações tanto no campo quanto no beneficiamento. “Quando uma marca conseguir lançar esse produto, ela irá despertar a necessidade nas demais. A indústria já debate o lançamento de linhas que sejam carbono neutro. Entendo que isso não levará muitos anos”, avalia.
De pequenas propriedades a multinacionais que atuam no Brasil, estratégias para descarbonizar a cadeia leiteira estão sendo testadas. Influenciados por padrões internacionais e pela necessidade de reduzir as emissões dos gases que provocam o efeito estufa, empresas começaram a apurar a pegada de carbono nas fazendas.
A partir da customização de cálculos desenvolvidos e adotados em países europeus, empresas como Nestlé e Danone passaram a mensurar a geração do carbono e metano ao longo da produção de leite em propriedades paulistas, mineiras e goianas. Esses cálculos seguem o padrão ISO e levam em conta particularidades de cada estado, como clima e geografia.
À frente dos estudos no âmbito nacional, a Embrapa Gado de Leite tem atuado desde 2021 com gigantes do setor na aferição do carbono. A partir disso, é possível mapear a geração de gases nos diferentes processos da produção leiteira e trabalhar em estratégias para reduzir as emissões.
“Indicamos o direcionamento da genética superior para que os animais produzam mais, manejo balanceado do rebanho e alimentação balanceada. Em algumas propriedades mais afinadas lançamos mão de uso de aditivos específicos”, comenta Luiz Gustavo Pereira, pesquisador da Embrapa.
Ele indica que os resultados apontam um bom caminho. “Tem fazendas que em 2024 ou 2025 atingirão a marca de 30% na redução, o que é acima da expectativa proposta pelo governo no Pacto Global.”
Uma nova parceria da Embrapa pode aprimorar técnicas de mensuração da pegada do carbono no Rio Grande do Sul. A empresa atuará com a multinacional Lactalis para aperfeiçoar os métodos franceses adotados em propriedades do sul.
Impulsionado por fatores como clima e solo, o Rio Grande do Sul pode elevar o nicho de leite carbono neutro a um padrão de produção. “Os sistemas pastoris representam 85% da produção adotada pelos produtores gaúchos. Se as pastagens são bem conduzidas, elas conseguem sequestrar o carbono e fazer esse balanço favorável de todo o processo”, explica Paulo Carvalho, pesquisador de sistemas agropecuários de baixo carbono.
O potencial da produção sustentável no estado tem sido intensificado por meio do Pisa (Programa de Produção Integrada em Sistemas Agropecuários). Promovido pelo Sebrae, Senar e Farsul, o projeto já atendeu mais de 3.000 pequenos produtores —80% se concentra no território gaúcho.
No interior de Caxias do Sul, a 31 km da cidade, a propriedade de Cátia Perini atingiu o equilíbrio financeiro dois anos após aderir ao projeto. Ao todo são 150 animais, incluindo 69 vacas em lactação.
“O rebanho permanecia solto, mas comia mais ração e silagem. Depois do manejo do pasto, os custos com esses complementos diminuíram. Aumentamos a quantidade de vacas emprenhadas e a produtividade da propriedade saltou de 800 litros/dia para 1.600 litros/dia. Então, foi possível reduzir o custo do litro de R$ 2 para R$ 1,60”, explica.
Situada a 48 km da área urbana de Caxias do Sul, a propriedade familiar de Airton Zacarias já tinha a pastagem como base de alimentação dos animais. A adesão ao Pisa contribuiu para a melhoria das técnicas utilizadas e aumento do bem-estar das 46 vacas, sendo 20 lactantes.
“Antes eu ordenhava duas vezes ao dia. Reduzimos para uma vez e com isso temos uma média de 250 litros/dia. Eu, minha mulher e meu filho trabalhamos menos e a margem de lucro continua boa. Gastamos R$ 1,70 por litro e, dependendo do mês, recebemos até R$ 2 por litro”, comenta.
Em comum, as duas propriedades contam com pastagens altas (cerca de 25 centímetros) e áreas arborizadas, o que garante o sequestro de carbono gerado pelos animais. O próximo passo do Pisa é iniciar a mensuração da pegada de carbono. A perspectiva é que em três anos haja um mapeamento dos índices gerados nos pequenos produtores.
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