O leite de égua pode soar exótico para a maioria dos britânicos, mas, no interior de Somerset, no sudoeste da Inglaterra, esse produto raro virou uma verdadeira missão pessoal.
Em Combe Hay, o fazendeiro Frank Shellard dedica-se há quatro anos a produzir leite de égua de forma comercial, desafiando hábitos culturais profundamente enraizados e a hegemonia do leite de vaca no país.
Shellard é hoje o único ordenhador de éguas oficialmente licenciado do Reino Unido. Ao lado da filha, Alison Smith, ele administra a Combe Hay Mare’s Milk, uma pequena fazenda com 11 éguas, onde a produção diária varia entre 12 e 14 litros. Parte do leite de égua é destinada ao consumo direto, enquanto outra parcela segue para a fabricação de cosméticos naturais, como cremes para as mãos e loções corporais.
Segundo o produtor, o maior obstáculo não está no manejo dos animais nem na escala produtiva, mas sim na aceitação do público. Em declarações à imprensa britânica, Shellard afirma que convencer os consumidores é um desafio cultural. Para muitos britânicos, o cavalo é visto como um animal de estimação ou de lazer, o que torna difícil associá-lo a um produto alimentar. Ainda assim, ele insiste que o leite de égua é uma alternativa nutritiva e historicamente reconhecida em diversas regiões do mundo.
Embora seja praticamente desconhecido no Reino Unido, o consumo de leite de égua não é novidade em escala global. Povos nômades da Ásia Central, especialmente no Cazaquistão, Quirguistão e Mongólia, consomem a bebida há séculos. Nessas regiões, o leite costuma ser fermentado para produzir o kumis, uma bebida tradicional considerada funcional e parte essencial da dieta local. Estimativas indicam que cerca de 30 milhões de pessoas consumam leite de égua em diferentes formas ao redor do mundo.
A história de Shellard com o produto começou há mais de duas décadas. O produtor conta que tomou conhecimento do leite de égua quando um amigo retornou da Bélgica impressionado com o uso do ingrediente na indústria cosmética. Pouco tempo depois, sua filha Alison decidiu testar uma loção à base de leite de égua para tratar um eczema persistente. De acordo com a família, os resultados foram positivos e acabaram despertando a ideia de transformar aquela curiosidade em um negócio pioneiro no Reino Unido.
Na fazenda de Somerset, a rotina é intensa e bastante diferente da pecuária leiteira tradicional. As éguas são ordenhadas de três a quatro vezes por dia, sempre respeitando o bem-estar dos animais. Os potros permanecem com as mães e recebem o leite restante, uma prática que Shellard faz questão de destacar para rebater críticas sobre o manejo. “Bilhões foram investidos na indústria do leite de vaca. Eu sou apenas um produtor tentando mostrar que existe outra possibilidade”, costuma dizer.
A exclusividade do processo se reflete no preço final. Uma garrafa de 250 mililitros de leite de égua custa cerca de £ 6,50, enquanto o litro pode chegar a £ 24, tornando o produto um dos leites mais caros disponíveis no mercado britânico. O valor elevado limita o público, mas também posiciona o leite como um item premium, associado à saúde, ao bem-estar e à diferenciação.
Apesar da resistência inicial dos consumidores, Shellard acredita que o futuro do leite de égua no Reino Unido pode estar menos no copo e mais na prateleira de cosméticos. Para ele, o apelo de produtos naturais voltados ao cuidado da pele pode abrir caminho para que o ingrediente se torne mais familiar ao público britânico. A experiência da filha com o tratamento do eczema é frequentemente citada como exemplo desse potencial.
Convicto de sua proposta, o produtor afirma que não pretende desistir. Ele reconhece que mudanças de hábito levam tempo, especialmente em um país com forte tradição na produção e no consumo de leite de vaca. Ainda assim, aposta que a combinação de história, exclusividade e possíveis benefícios à saúde será suficiente para manter viva sua iniciativa.
No interior da Inglaterra, o leite de égua segue como um símbolo de ousadia, desafiando convenções e mostrando que, mesmo em mercados maduros, ainda há espaço para inovação — ainda que em pequenas quantidades e a preços nada modestos.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de CompreRural






