Em 2011, a centenária Nestlé tentava pela terceira vez emplacar o KitKat no Brasil. O produto era o principal chocolate globalmente da empresa, mas, até então, não havia caído no gosto dos brasileiros.
Era uma marca relegada às lojas mais sofisticadas e à lista de compras de viajantes internacionais. Como a história conta, tudo mudou.
“Hoje, o Brasil é o país que mais consome chocolates Nestlé no mundo e, em breve, pode dominar o consumo da marca KitKat também. O produto é um sucesso absoluto no país, mas não houve fórmula mágica. Foi um processo intenso de estudo de mercado e produção industrial, e que hoje se repete no nosso investimento para outros novos mercados e produtos”, afirma Aline Mor, engenheira da gigante suíça que foi encarregada do relançamento na época.
Sendo a primeira engenheira mulher na fábrica da Nestlé, em Caçapava, São Paulo, Aline teve passagem pela operação em York, na Inglaterra, e, em 2019, assumiu a liderança global de KitKat e Health is Next, uma iniciativa da Nestlé para desenvolver snacks saudáveis. Esse período foi crucial para a implementação de inovações como o KitKat vegano, lançado na Europa, Austrália e Brasil.
Atualmente, como líder do primeiro centro de inovação da América Latina, que faz parte de um investimento de 1,7 bilhões de francos suíços para uma rede global de P&D, Aline coordena projetos que buscam adaptar as inovações globais às necessidades locais.
Um exemplo é o desenvolvimento de uma bebida à base de proteína vegetal utilizando Lupino chileno, em parceria com startups regionais. Em entrevista à EXAME, a executiva conta como tem liderado as iniciativas.
Confira, abaixo, os principais trechos da conversa:
Como uma gigante como a Nestlé incorpora inovação em processos industriais já estabelecidos?
A Nestlé trabalha com três pilares principais: pesquisa de base em ciência e tecnologia, centros de desenvolvimento de categoria e centros regionais. O primeiro foca em agricultura regenerativa, ciência de alimentos e embalagens. O segundo, como o centro de confeitaria na Inglaterra, centraliza a inovação de marcas globais como KitKat.
O terceiro, onde atuo na América Latina, adapta essas inovações às necessidades regionais, conectando-se com startups, fornecedores, universidades e o mercado local. Os centros de desenvolvimento de categoria são responsáveis por inovar em produtos específicos de marcas globais.
Ali, por exemplo, desenvolvemos tecnologia aplicada à manufatura para melhorar a qualidade, rendimento e reduzir o impacto ambiental. Esse modelo permite centralizar a inovação para que possamos aplicar avanços tecnológicos de forma eficiente e consistente em todos os nossos produtos.
E quais são os principais projetos do centro de inovação da América Latina atualmente?
Estamos focados em acelerar a inovação através de parcerias com startups. Recentemente, lançamos um Food Tech Challenge que atraiu 180 startups com propostas de produtos mais nutritivos e sustentáveis.
O projeto vencedor está desenvolvendo uma bebida à base de proteína vegetal com Lupino chileno, um ingrediente com 60% de proteína. A indústria de alimentos vai ter que se reinventar para entregar produtos que os consumidores valorizem e que sejam nutritivos e saborosos, mas de uma maneira mais sustentável. O grande driver de consumo dos produtos plant-based vem justamente dessa preocupação com saúde.
Começou com substitutos da carne, como os burgers, mas agora o consumidor está aberto a novas propostas de proteína vegetal que não precisam imitar a carne. A flexibilidade é fundamental, com consumidores adotando uma dieta flexitariana, alternando entre produtos de origem animal e vegetal conforme suas preferências.
Uma vez que essas iniciativas regionais se estabelecem, elas são usadas globalmente também?
Os centros regionais foram criados para adaptar inovações globais às necessidades locais. No meu caso, o objetivo é conectar os avanços globais de ciência e tecnologia às realidades e demandas dos mercados locais.
A adaptação é fundamental para a nossa estratégia de sustentabilidade e inovação. Trabalhamos para identificar e desenvolver ingredientes regionais que não apenas atendam aos padrões de qualidade, mas também contribuam para o desenvolvimento das comunidades locais.
O KitKat vegano vem pra atender demanda por produtos sustentáveis e saudáveis, mas o que mais está no radar para incluir no portfólio da Nestlé?
Quando estava na Inglaterra, percebi a necessidade de um KitKat vegano, especialmente devido à crescente demanda por produtos plant-based.
Desenvolvemos o produto como um teste de mercado para avaliar se o consumidor não apenas se interessaria, mas também compraria novamente. Lançamos na Europa, Austrália e até no Brasil, e a aceitação foi positiva. Hoje, o KitKat vegano é parte da nossa linha regular, mostrando que inovação rápida e alinhada às tendências de consumo pode ser bem-sucedida.
Como a inteligência artificial está sendo usada na Nestlé?
A inteligência artificial é um aliado importante em nosso trabalho de pesquisa e desenvolvimento. Utilizamos IA para processar e analisar grandes volumes de dados, o que nos ajuda a entender melhor as tendências de consumo e a otimizar nossas receitas.
Também aplicamos machine learning para melhorar a eficiência dos processos de produção e reduzir defeitos. A IA é uma ferramenta que nos permite ser mais ágeis e precisos, desde o desenvolvimento de conceitos e novos materiais.