Num cenário de preços deprimidos para os produtores de leite, reflexo sobretudo do aumento das importações de lácteos, a captação da matéria-prima por 17 das maiores empresas do setor no país cresceu 5% em 2023, e alcançou 9,017 bilhões de litros, segundo levantamento realizado pela Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite) em parceria com mais seis instituições.
A alta na captação refletiu a estratégia dos laticínios de elevar o volume de industrialização para ganhar escala.
Outras seis grandes empresas do setor foram consultadas para fazer parte do ranking, mas não responderam ao levantamento.
A Laticínios Bela Vista, dona da marca Piracanjuba, ficou na liderança da lista, com recebimento de 1,77 bilhão de litros, avanço de 13,3%. Na segunda posição aparece a Unium, grupo de intercooperação formado pelas cooperativas Frisia, Castrolanda e Capal, com 1,48 bilhão de litros e uma alta de 14%. A Nestlé vem na sequência e depois, a Cooperativa Central dos Produtores Rurais (CCPR). Ficaram de fora da lista a Lactalis, Italac, Alvoar, Tirol, Vigor e DPA.
Em entrevista recente, a Lactalis informou que seu processamento de leite no Brasil estava em 2,5 bilhões de litros — o que a colocaria no topo do ranking, caso tivesse participado do levantamento.
Apesar de estar na quarta posição da lista, a CCPR foi uma das poucas que teve queda (-3,9%) na captação leiteira, ao lado de Aurora, Tirolez e Cativa.
“Tivemos um 2022 muito conturbado, com custos altos e desvalorização do preço pago ao produtor, e 2023 começou na mesma linha, com um viés não muito favorável. Tanto que acabamos fechando o ano com queda”, disse Leandro Sampaio, gerente-geral de suprimento de Leite da CCPR.
De acordo com Geraldo Borges, presidente da Abraleite, esse cenário de margens apertadas levou pecuaristas a saírem do setor leiteiro. O número de produtores rurais que entregam leite às empresas que compõem o ranking caiu 4,2% em 2023, para 43 mil.
“Nessas condições, uma das teses é o produtor de leite deixar a atividade e substituí-la por outra, ficando na produção somente propriedades com maior escala, mais tecnificadas e mais condições de gestão, que conseguem reduzir custos e ter rentabilidade”, disse o dirigente.
Para Borges, foi justamente essa a estratégia das indústrias de maior escala: aumentar o volume de industrialização para reduzir custos, o que impulsionou o resultado geral da captação.
A queda no índice de ociosidade na capacidade de produção das indústrias participantes do ranking, de 35% em 2022 para 15% em 2023, é um indicativo de que houve uma aceleração nos trabalhos entre as empresas que decidiram continuar no mercado, apesar das condições adversas de preço do leite, segundo ele.
Dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) mostram que o preço líquido pago ao produtor de leite começou o ano de 2023 em R$ 2,6619 por litro, na média nacional. Entre altas e baixas, esse valor chegou a R$ 1,9675 por litro em outubro.
Em 2024, a cotação mais recente indica que o produtor recebeu, em média, R$ 2,2347 por litro em fevereiro, valor que representa uma recuperação comparada às mínimas do ano passado, mas ainda inferior à média obtida no início de 2023.
“O aumento do preço que houve para os produtores de leite nos primeiros meses de 2024 é incipiente. E a queda do preço do leite ao produtor também foi muito maior que a queda observada nos insumos”, comentou o presidente da Abraleite.
Mesmo com o recuo nas despesas com grãos como soja e milho, que são matéria-prima para a alimentação do gado leiteiro, não há expectativa de que os produtores rurais que saíram da atividade possam voltar.
Para este ano, Leandro Sampaio, da CCPR, vê um horizonte positivo e espera que a captação leiteira supere os 897,9 milhões de litros do ano passado. “Para os produtores mais eficientes, o atual patamar de preços está gerando lucro”, disse.
“Somos otimistas em pensar num crescimento do consumo, decorrente de melhoria na renda dos consumidores, redução nas importações, que foi o principal gargalo em 2023, e estabilidade nos preços”, afirmou Geraldo Borges.
A captação total de leite no país também avançou em 2023. De acordo com o IBGE, os laticínios com algum tipo de serviço de inspeção sanitária captaram 24,52 bilhões de litros, alta de 2,5%.