“Pó para preparo de bebida sabor leite”, “doce de soro de leite sabor doce de leite” ou “mistura alimentícia de queijo ralado” - esses são produtos à base de soro de leite e que provocam questionamentos e geram dúvidas no consumidor sobre valores nutricionais, legislação, rótulos e aspectos econômicos, até mesmo pelas semelhanças de suas embalagens com as de produtos à base de leite.
Acompanhe as informações colhidas a partir da entrevista feita com pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) sobre o assunto.
Acompanhe as informações colhidas a partir da entrevista feita com pesquisadores da Universidade Federal de Lavras (UFLA) sobre o assunto.

Qual a diferença entre leite e soro de leite?

O professor da Escola de Ciências Agrárias (Esal) da UFLA Luiz Ronaldo de Abreu explica que, quando produzimos queijo e produtos semelhantes, o leite, que é a matéria-prima desses alimentos, passa por transformações, saindo do estado líquido para o que chamamos de coalhada.

Essa se divide em duas partes: a massa (que dará origem ao queijo) e o soro, o líquido restante dessa transformação. Em termos proteicos, o leite contém uma proteína chamada caseína, a mais abundante na sua composição, e proteínas solúveis em água.

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Na produção do queijo, a caseína coagula e fica retida na massa, ao passo que as proteínas solúveis não coagulam, e fazem parte da composição do soro. Portanto, o soro não possui a proteína caseína, mas contém proteínas solúveis, além de outros nutrientes importantes, como lactose, minerais e uma pequena porcentagem de gordura.

O docente comenta que já existem produtos que usam o soro como base, como as bebidas lácteas (com ou sem adição de outros ingredientes), fermentadas e não fermentadas, sejam pasteurizadas, sejam UHT (sigla que significa Ultra Alta Temperatura e refere-se a um processo de fabricação que submete o leite a altas temperaturas de 130° – 150° C, entre 2 e 4 segundos, e depois o resfria para armazená-lo em embalagens assépticas).

Além disso, o soro de leite também pode ser encontrado no mercado na forma líquida ou em pó, como, por exemplo, na forma de Concentrado Proteico de Soro (WPC) e Isolado Proteico de Soro (WPI), muito utilizados como suplementos para ganho de massa muscular.

O valor nutricional do soro de leite é menor?

A professora da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS) Mariana Mirelle, que trabalha com qualidade nutricional dos alimentos, conta que o soro do leite é gerado em grandes volumes na produção de queijo. Para a produção de 1 kg de queijo, são gastos aproximadamente 10 litros de leite e gerados 9 litros de soro de leite.

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“Era comum o soro do leite ser empregado na alimentação animal, ou até mesmo descartado no meio ambiente; mas, por ser uma matéria-prima com muitos compostos orgânicos, foi necessário tratá-lo”. Então, pesquisas foram conduzidas para propor a utilização desse resíduo na alimentação humana.

Considerando que o soro de leite possui alto teor de água, lactose, minerais e proteínas, ele tem sido utilizado como substituto total ou parcial do leite na produção de lácteos. “Essa substituição do leite pelo soro de leite pode comprometer o valor nutricional dos alimentos, especialmente reduzindo seus teores de proteína, já que o soro de leite possui menos proteínas que o leite integral.

Com a inflação observada nos últimos anos, a variedade e a oferta de produtos lácteos reformulados com matérias-primas de menor qualidade aumentou, em uma tentativa de disponibilizar para o consumidor produtos ‘similares’ aos tradicionais com preço mais competitivo, porém de menor qualidade nutricional”, enfatiza.

O soro de leite pode ser considerado um produto análogo ou ultraprocessado?

A professora da Esal/UFLA Sandra Maria Pinto explica que o soro do leite pode ser entendido como um subproduto do leite, uma vez que ele é o que sobra nos processos de fabricação do queijo.

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Quando perguntada se o soro de leite pode ser considerado um alimento ultraprocessado, ela esclarece que o soro in natura não.

Entretanto, alguns produtos que o utilizam como matéria-prima ou ingrediente podem ser considerados ultraprocessados, pois esse tipo de alimento é resultante de processos industriais e contém aditivos que, no caso dos produtos lácteos, substituem parte do leite por outros ingredientes, como açúcares, gorduras vegetais, óleos, entre outros.

São exemplos de alimentos lácteos ultraprocessados: requeijão, creme de leite, leite condensado e alguns sorvetes, que têm em sua fórmula aromatizantes, saborizantes e conservantes.

Sandra também explica que “um produto análogo é aquele em que são adicionados ingredientes não lácteos, tais como água, proteínas, gorduras vegetais e amidos modificados”.

Ela chama atenção para o soro de leite em si, que não pode ser considerado um produto análogo, nem mesmo alguns produtos feitos com ele, como o queijo ricota e o soro em pó, WPC e WPI. São exemplos de alimentos análogos a lácteos: margarina, cobertura de chantilly instantânea e creme culinário.

Bebida láctea é iogurte?

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) define a diferença entre bebida láctea e iogurte. A bebida láctea é o resultado da mistura de leite com o soro de leite, na qual podem ser adicionados gordura vegetal ou outros ingredientes alimentícios para trazer aroma e sabor à bebida. A base láctea representa pelo menos 51% do total de ingredientes do produto.

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Já o iogurte é um tipo de leite no qual ocorre uma fermentação feita por duas bactérias específicas, a Streptococcus subsp. thermophilus e Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus, que transformam o açúcar presente no líquido em ácido lático, responsável pelo sabor azedo ou ácido do iogurte. Outros ingredientes que não são lácteos, como por exemplo, polpa de frutas, são entendidos como opcionais e não podem ultrapassar 30% da composição do iogurte.

A professora Mariana ressalta que, apesar de as bebidas lácteas serem regulamentadas e a legislação exigir que os fabricantes informem a denominação de venda – o nome específico e não genérico,  que indica a verdadeira natureza e as características do alimento, como ser uma bebida láctea e não um iogurte – “essa informação nem sempre é facilmente interpretada, e o consumidor costuma comprar mais pela imagem do que pela qualidade nutricional desses produtos, que pode ser avaliada por sua lista de ingredientes”.

“A recomendação é que o consumidor escolha as versões tradicionais do derivado lácteo – iogurte em vez de bebida láctea, por exemplo, uma vez que o primeiro possui um teor maior de cálcio, proteínas e bactérias consideradas boas para o organismo, e que ajudam a flora intestinal”, destaca Mariana. Entretanto, apesar de dar preferência a alimentos tradicionais e/ou in natura, a opção por alimentos que utilizam o soro de leite pode estar alinhada às necessidades nutricionais e aos interesses do consumidor.

Regulamentação e alerta

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O marketing tem um grande impacto para incentivar o consumo da população, e a regulação do setor alimentício visa impedir abusos e informações falsas que possam induzir o consumidor ao erro.

A presença de informações obrigatórias, como lista de ingredientes presentes no produto, valores nutricionais, quantidade e substâncias que podem causar alergia, objetivam conscientizar o consumidor.

Os responsáveis pela rotulagem de alimentos embalados e pelas normas e exigências nos rótulos de alimentos, em geral, são a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Mapa, que criam leis sobre os produtos de origem animal e ressaltam a importância dos rótulos para evitar o engano do consumidor quanto à verdadeira natureza e origem do produto.

“Os rótulos não devem apresentar informações incorretas, insuficientes ou que possam, direta ou indiretamente, induzir o consumidor a equívoco, erro, confusão ou engano em relação à verdadeira natureza, composição, rendimento, procedência, tipo, qualidade, quantidade, validade, características nutritivas ou forma de uso do produto”, enfatiza o Mapa.

O Mapa chama a atenção do consumidor para ficar atento aos alimentos regulamentados e aos produtos que não têm regulamentação, como alguns alternativos, pois eles devem seguir as normas indicadas para a criação de rótulos, de acordo com o artigo 446 do Decreto 9.013/2017 e o item 5 da IN 22/2005.

A Anvisa também exige alerta de alérgenos e tabela nutricional, bem como informação sobre a presença ou não de glúten (Lei 10.674/2003). Além disso, os estabelecimentos devem atender às normas do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) sobre pesos e medidas.

E como fica a parte sensorial desses produtos?

Quando se fala sobre aroma, gosto, textura, propriedades físico-químicas, a professora Mariana argumenta que “é interessante se basear em pesquisas que avaliem a utilização dos derivados lácteos em receitas clássicas.

Pelos testes que já foram relatados, a substituição do leite condensado pela ‘mistura láctea condensada de leite e soro de leite’ interfere na qualidade das sobremesas, pelo fato de a versão similar ser mais líquida e alterar, por exemplo, o ponto de um brigadeiro. Porém, o que causa mais preocupação é a qualidade nutricional dos produtos similares”.

A pesquisadora complementa que o mais relevante para a saúde pública seria a execução de ações de educação alimentar e nutricional “que visem a orientar os consumidores sobre a interpretação da qualidade dos alimentos, para que, assim, sejam capazes de fazer escolhas alimentares adequadas, já que certamente surgirão no mercado produtos que imitem outros, com o intuito de comercializar versões mais baratas ou de maior rentabilidade financeira para os fabricantes”.

Adaptações: Ana Eliza Alvim e Claudinei Rezende.

Esse conteúdo de popularização da ciência foi produzido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – Fapemig.

 

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