Produtores de leite já avaliam deixar mercado. Captação do produto já caiu 30%.
Leite. Em Rolante, produtora espera obter ração para os animais — Foto: Arquivo pessoal
Em Rolante, produtora espera obter ração para os animais — Foto: Arquivo pessoal
As inundações afetaram todos os principais segmentos da atividade agropecuária do Rio Grande do Sul, mas, em um ramo em particular, a pecuária leiteira, a tragédia pode ter acelerado um declínio que já se desenha há anos.

— O gaúcho está parando a galope de produzir leite. São três anos seguidos de dificuldade com o clima. O produtor já estava sem lucro, desanimado, depressivo. Com essa tragédia, vamos ter que reconstruir a parte financeira e também a parte psicológica dos produtores — diz Marcos Tang, presidente da Associação dos Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando).

Os produtores rurais que se dedicam à pecuária leiteira no país têm sofrido com aperto de margens, que tem como causa principal o aumento de custos da atividade. O quadro é particularmente grave no Rio Grande do Sul, estado que, antes das chuvas de 2024, enfrentou severa estiagem por três anos seguidos. Hoje, 32 mil propriedades vendem matéria-prima para os grandes laticínios do estado. Há dez anos, eram 80 mil.

Vou tocar um ano e parar’

No momento, estima-se que as inundações das últimas semanas tenham afetado 50% dos produtores de leite do Rio Grande do Sul.

— Em meus 20 anos de produção de leite, nunca tinha enfrentado uma tormenta assim. Penso que vou tocar mais um ano e parar com o leite — diz o produtor Fernando Marin, de Cotiporã, cidade da Serra Gaúcha que fica a cerca de 160 quilômetros de Porto Alegre.

As inundações bloquearam estradas e destruíram ou comprometeram mais de 50 pontes, o que prejudicou a logística de coleta de matéria-prima. Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do Rio Grande do Sul (Sindilat) e diretor da empresa Lactalis, Guilherme Portella, a captação de leite já caiu 30% por causa das chuvas.

A indústria local e as cooperativas passaram a se mobilizar para encontrar opções para o transporte da produção. Portella conta que, em muitos casos, quando um laticínio não consegue acessar determinada região, empresas concorrentes que têm acesso por vias alternativas assumiram a responsabilidade de coletar o leite. Essa colaboração impediu que a captação de matéria-prima no campo tivesse uma queda ainda mais acentuada.

Além dos desafios logísticos, os problemas no fornecimento de energia elétrica são particularmente danosos para o segmento leiteiro. Sem energia, produtores e indústria dependem de geradores para resfriar o leite. Quando não se tem o equipamento, ou quando o combustível dos geradores chega ao fim, não há outra solução: é preciso jogar o leite fora.

O vento e a chuva em excesso derrubaram metade da plantação de milho que a produtora de leite Neila Avila cultivava para silagem — Foto: Arquivo Pessoal
O vento e a chuva em excesso derrubaram metade da plantação de milho que a produtora de leite Neila Avila cultivava para silagem — Foto: Arquivo Pessoal

Segundo um cálculo preliminar dos grandes laticínios, a indústria deixou de receber de 3 a 4 milhões de litros de leite por dia no estado.

Para contornar as dificuldades, o Sindilat pediu ao Ministério da Agricultura e à Secretaria da Agricultura do estado que deixassem mais flexíveis as regras para coleta de leite e inspeção de produtos de origem animal. Essa medida ajudou a minimizar os impactos da coleta do leite, reduzindo o prejuízo em cerca de 10%, segundo Portella.

No entanto, apesar dos esforços para mitigar os impactos das inundações sobre a atividade, muitos produtores perderam infraestrutura essencial para a produção, como galpões, ordenhadeiras, tanques, pastagem e até mesmo parte do rebanho.

— Há perdas consideráveis, que não serão repostas — afirma o dirigente.

Em Rolante, na Região Metropolitana de Porto Alegre, as chuvas destruíram as pastagens do pequeno sítio de Neila Avila. Ela produz leite há 12 anos, mas, com as perdas recentes, já pensa em desistir.

— Já chorei tudo que tinha para chorar. Agora, eu e meu marido só pensamos em conseguir comprador para as vacas e mudar de atividade — afirma ela.

Mil litros jogados fora

Na propriedade, o volume de captação de leite foi de 360 litros por dia na semana passada. Uma semana antes, a captação diária era de 700 litros.

Além do pasto, a família perdeu quase todo o seu estoque de silagem e teve que jogar fora pelo menos mil litros de leite. A propriedade tem gerador, mas, mesmo assim, o produto estragou.

Na semana passada, a produtora estava na expectativa de receber um pouco de ração para suas vacas — o laticínio que compra seu leite prometeu doar o insumo. Além disso, os vereadores da cidade estavam tentando obter silagem em municípios que não sofreram com a enchente.

— Mas isso leva tempo até chegar, e não tem como falar para os animais que a comida acabou — afirma. — A gente nem pode ‘esperar a poeira baixar’ porque aqui agora só tem pedra, entulho, árvores caídas e barro.

Bryce Cunningham, um produtor de leite escocês, proprietário de uma fazenda orgânica em Ayrshire (Escócia), lançou um produto lácteo para agregar valor ao leite de sua fazenda, que é um produto de ótima qualidade, sem aditivos, e é um exemplo de economia circular.

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